Transformação digital e os desafios da Publicidade no Norte do Brasil

Inclusão, acesso e novas estratégias de comunicação regional

Por Rodrigo Sobreira

São 450 municípios marcados por uma identidade cultural vibrante, onde tradições indígenas, caboclas e ribeirinhas resistem, reinventam-se e transformam-se em expressões autênticas de arte, linguagem e comunicação.

Neste território de contrastes, a digitalização chega de forma desigual, desafiando profissionais da publicidade a criar estratégias que não apenas respeitem a diversidade sociocultural local, mas que também enfrentem limitações tecnológicas históricas. “A transformação digital não chega da mesma forma para todos”, resume a publicitária amazonense Ronna Rafaela. “Há localidades na região em que o sinal é extremamente instável ou simplesmente inexistente. E como é possível falar em campanhas digitais eficazes se grande parte da população sequer consegue carregar um vídeo no Instagram?”, questiona.

O cenário, embora desafiador, também aponta para oportunidades. Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP), os investimentos em publicidade na região Norte cresceram 23% em 2021, em comparação ao ano anterior. Ainda que o volume represente apenas 1,4% dos R$ 19,7 bilhões aplicados nacionalmente, o número sinaliza uma retomada promissora — impulsionada sobretudo pela recuperação dos setores de comércio e serviços.

“É um mercado com imenso potencial inexplorado”, afirma o presidente do Instituto Valendo, Leonardo Matos. Segundo ele, o maior desafio é equilibrar inovação e identidade. “Manter a equipe preparada para as novas demandas digitais, sem perder os valores humanos que sustentam sua identidade, é um dos principais compromissos do Instituto. Para isso, adotamos práticas estratégicas que vão da capacitação técnica e socioemocional ao uso humanizado da tecnologia, com liderança inspiradora e foco em impacto social.”

No Norte, a criatividade nasce da necessidade — e também da resistência. “Muitas vezes parece que ninguém nos vê”, desabafa Ronna. “O alcance é limitado não pela falta de qualidade, mas pela ausência de reconhecimento e direcionamento tecnológico para nossas realidades.” A sensação de invisibilidade digital ainda persiste, sobretudo para quem produz fora do eixo Sul-Sudeste. Apesar disso, publicitários da região vêm encontrando na autenticidade o seu maior diferencial.

“Falta referência” — é o que muitos ainda ouvem. Mas essa ausência tem servido como estímulo. Profissionais da área têm desenvolvido uma publicidade conectada com as realidades locais, investindo em narrativas que dialogam com o cotidiano das comunidades. “Em um território tão diverso, comunicar exige muito mais do que técnica. É preciso sensibilidade e escuta”, afirma o professor de Publicidade da Faculdade Martha Falcão Wyden, Erick Lúcio.

Para ele, redes sociais desempenharam papel crucial na aceleração desse processo. “Na mídia tradicional, o Norte muitas vezes era retratado de fora para dentro. Com as redes, há uma busca crescente por personas que representem o consumidor nortista, com seus hábitos, comportamentos e autenticidade.”

As agências regionais, atentas a essa realidade, têm adotado estratégias que valorizam o contexto sociocultural: o uso de gírias locais, referências visuais da floresta, paisagens amazônicas, narrativas populares e símbolos cotidianos se tornam elementos centrais das campanhas. Mais do que vender um produto, o foco é criar conexão real com o público — reconhecer o lugar de fala de quem vive e transforma o Norte todos os dias.

NOVO PERFIL DIGITAL

A digitalização do mercado publicitário também está redesenhando o perfil dos profissionais. Jovens nortistas têm ocupado novos espaços no setor criativo, rompendo barreiras de visibilidade e acesso. “O acesso aos smartphones permite que esses jovens comecem a produzir conteúdos de forma intuitiva, desenvolvendo habilidades que depois são direcionadas ao aprendizado acadêmico e profissional”, observa Erick. “Eles carregam uma bagagem cultural própria, diferente dos grandes polos, e isso é um ativo criativo valioso.”

O Norte do Brasil precisa ser visto não como uma exceção, mas como parte essencial da identidade nacional. Ignorar a região é calar vozes legítimas de um Brasil plural, potente e em constante reinvenção. A publicidade brasileira — se quiser de fato dialogar com o país real — deve ampliar seu olhar. Porque entre likes, curtidas e algoritmos, existe um Norte que pulsa, cria e comunica. E que exige ser visto.